A história da noite em que fui picada por um escorpião no deserto do Saara

Sempre ouvi falar dos perigos do deserto, mas quem me conhece sabe que sou aquele tipo de pessoa que nunca acha que vai acontecer algo grave. Principalmente quando é algo relacionado a viagens. Sempre fiz muita loucura, principalmente na época em que eu viajava sozinha e sem dinheiro. Me meti em diversas situações como lugares perigosos, peguei carona com pessoas que nunca vi na vida etc. Minha mãe costuma dizer que sempre tive mais sorte que juízo.

Quando fui picada pelo escorpião à noite no meio do Deserto do Saara, e me vi em uma situação de alto risco, percebi o quanto já fui negligente e que eu não estou livre dessas situações.

Aqui meu roteiro de viagem de carro pelo Marrocos

Percebi que muito mais que um infortúnio foi uma negligência da minha parte. Por isso resolvi compartilhar essa história com vocês.Acampamento no deserto do Saara viagem para o deserto do Saara no Marrocos

Riscos de fazer um acampamento no Deserto do Saara

Depois de passarmos à noite em Ouarzazate, levantamos cedo e seguimos nossa viagem de carro até Merzouga, que fica na fronteira com a Argélia e é a cidade mais próxima do nosso acampamento no deserto do Saara.

De lá, deixamos nosso carro no estacionamento de um museu de rally e seguimos para o deserto com o motorista e carro do acampamento.

O acampamento era lindo e a paisagem ainda mais. Tiramos algumas fotos, vimos o pôr do sol, jantamos sob o céu estrelado e fomos para nossa tenda dormir.

A tenda é enorme, tínhamos até um banheiro completo. Pode parecer bobagem, mas isso é muito luxo para um acampamento no meio do deserto. Quando fui deitar, a luz de uma vela que estava ao lado de fora da cabana vinha direto no meu rosto. Incomodada, resolvi levantar e apagar.

Quando estava quase perto da vela, senti como se tivesse pisado em um arbusto, ergui meu pé rápido com a intenção de tirar os “galhos”, que pensei que tivessem entrado no meu pé. Logo vi que não havia nem galhinhos nem arbusto e comecei a sentir muita dor.

Voltei pra minha tenda e falei pra minha mãe que tinha sido picada por algo, que estava com muita dor e já chamei o pessoal do acampamento, que veio na hora.

Perigos do deserto … é aranha ou é escorpião ?

Falei que estava com muita dor e com medo que fosse um escorpião. Comecei a sentir como se algo estivesse subindo a minha perna, como se fosse o veneno. Eles amarraram um pano para o veneno não subir mais, e falaram que provavelmente eu tinha sido picada por uma “spider camel”. Uma espécie de aracnídeo muito comum por lá, ela não é considerada nem aranha e nem escorpião. É como se fosse uma espécie entre as duas.

picada de escorpião do deserto
Photo from Wired.com

O veneno da “aranha camelo” não é mortal aos humanos, porém a picada é conhecida por ser uma das mais doloridas. Sem saber qual foi realmente o bicho que me picou, um dos rapazes do acampamento me carregou pelas dunas até chegarmos no carro.

Esse foi o momento que mais fiquei apavorada. Estar no escuro, no meio do deserto, sem saber o que tinha me picado e com muita, muita dor. Fiquei com muito medo de morrer, de perder meu pé ou minha perna.

De lá fomos para uma casa que parecia um posto de saúde. Como era tarde da noite (por volta de 1 hora da manhã), estava tudo fechado. Os funcionários do acampamento que estavam comigo falaram que já haviam ligado para um médico e que ele já estava à caminho.

Lá recebi uma injeção no local. Eles falaram que era o antídoto, que iria doer um pouco mais e por mais umas 4 horas. De lá, ficamos rodando a cidade procurando por uma farmácia, para comprar pomada anestésica e gelo. Ficamos muito tempo rodando, até que eles conseguiram abrir uma farmácia e depois conseguiram gelo em uma espécie de “casa noturna”, se é que me entendem…

Depois disso ficamos mais um tempão em um posto, tentado acordar alguém pra poder abastecer a caminhonete. Como rodamos muito, ficamos sem gasolina e não dava pra voltar para o acampamento.

Foi só por volta das 6 da manhã que voltamos para o acampamento. Era para dormirmos mais uma noite lá. Mas depois do ocorrido, fiquei traumatizada e só fui lá para buscar nossas coisas para seguirmos viagem até Fez.

O pesadelo ainda estava por vir…

A dor parou por um tempo, mas no meio da viagem voltou com tudo! Parei em um café na beira da estrada, e me informaram que não era normal eu ainda estar com dor depois de ter tomado a injeção por tantas horas. E me avisaram que na entrada da próxima cidadezinha tinha um hospital público e que eu deveria ir lá.

Quando já estava quase chegando no hospital a dor só aumentava. Me segurava pra não gritar de dor e para não assustar a minha mãe.

Sendo atendida no hospital público marroquino

Como era de se esperar, a fila do hospital e a quantidade de pessoas para serem atendidas ali era surreal. Falei que tinha sido picada por um escorpião e me passaram na frente de todo mundo. Como não entendiam o que eu falava, levaram a gente para uma sala que parecia um escritório, onde também haviam doentes, médicos e uma mulher que deveria ser uma médica ou administradora do hospital.

Tentava falar em inglês mas ninguém me entendia. Com muita dor fiquei ainda mais desesperada. Não conseguia explicar em francês o que tinha acontecido. Até que derrepente, um mulher falou que entendia inglês. Fiquei tão emocionada, que não conseguia falar, eu só chorava! Queria muito que entendessem que eu já havia tomado algo. Tinha medo de tomar o antídoto novamente e acontecer algo. Até que me acalmei e consegui explicar.

Eles me levaram para um sala de atendimento de emergência, me deitaram em uma maca muito suja de remédio e de sangue.

Policiais invadem a emergência atrás de mim

De repente, surgiram alguns policias dentro do quarto da emergência gritando. Eles estavam furiosos com a gente! Não conseguia entender nada, ai eles falaram em francês e inglês algo sobre fotos. Estavam nos acusando de ter tirado fotos ali e que era proibido. Pedi desculpas, e falei que minha mãe tinha tirado fotos minhas para enviar para o meu marido, que queria saber como eu estava. Eles pediram para ver meu celular, como não acharam nenhuma foto que não fosse minha, eles pediram desculpas e saíram.

Depois da cena de novela, e ainda com muita dor, os médicos tiraram meu sangue, me deram soro e outra injeção na picada.

Capítulo III – BERRANDO DE DOR

Foi ai que senti uma dor que jamais imaginei ser possível. A dor era tanta que eu literalmente berrava apertando a mão da minha mãe, que não sei como, se manteve firme e forte me vendo gritando de dor daquele jeito.

Os médicos foram muito queridos, passavam a mão com muito carinho no meu rosto e me pediam para me acalmar, seguravam minha mão, limpavam minhas lágrimas. Os outros pacientes que estavam ao redor ficavam me olhando o tempo todo com muita dó, alguns depois queriam saber se eu estava melhor.

Quando minha dor se tornou algo suportável, perguntei para minha mãe o que eles tinham feito no meu pé. Pensei que eles tivessem amputado sem anestesia. Ela falou que eles tinham apenas dado outra injeção na picada. Levantei meu corpo para tentar ver meu pé, certa de que havia algo muito errado e que ela estava mentindo para mim.

Não conseguia acreditar que meu pé estava lá e aparentemente normal! Ainda recebi  mais soro e outras injeções, em torno de 3 ou 4 no total. Acredito que se alternaram entre antídoto e anestesia local.

Escorpião do deserto do Saara

Depois de passar à tarde desse jeito no hospital, um dos médicos que me atendeu falou que o resultado do exame acusou ser mesmo um escorpião. Ele me passou uma receita de pomada e remédios para tomar, e falou que eu não voltaria a sentir mais nada. Quando sai do hospital, com o pé ainda um pouco anestesiado mas sem nenhuma dor, eu ria de tão feliz.

Seguindo viagem…. 

Tentamos seguir viagem e chegar em Fez, mas a ainda faltavam pelo menos 4 horas de estradas montanhosas e cheias de curvas. Como não tínhamos dormido absolutamente nada na noite anterior e tivemos o dia tenso no hospital, o cansaço começou a bater em nós duas e resolvemos dormir em um hotel na beira da estrada.

Eram 7 horas da noite, e do jeito que entrei no quarto, deitei na cama. Apaguei e só acordei às 9 horas da manhã do dia seguinte. Minha mãe ainda teve que ligar e acalmar meio mundo! Coitada..

Até hoje quando penso em uma cama de hotel e em um sono profundo, lembro desse quarto de hotel de beira de estrada!

Tudo na vida serve de lição, mesmo uma picada de escorpião ou outros perigos do deserto

Como todo viajante, já passei por muitos perrengues de viagem. Que perto das minhas ousadias de viajante, sou obrigada a concordar com a minha mãe de que sempre tive mais sorte do que juízo. Sempre achei que no final as coisas dão certo, e pensando dessa forma, viajei sozinha para China sem dinheiro e em uma época em que ninguém falava uma palavra de inglês, cheguei a dormir em hotel com teto de isopor, peguei carona com desconhecidos na estrada na Tailândia e por aí vai…

Até que um dia você se vê em uma situação como essas. À noite, no meio do deserto do Saara, picada por um escorpião. Com o risco de morrer, perder a perna, o pé, ter uma parada respiratória, uma lesão.

Você pode estar pensando que esse é só um dos perigos do deserto, e que foi uma fatalidade e não negligência minha ou de alguém. Concordo. Mas tenho que admitir que naquela situação eu pensei em todas as outras vezes que fui negligente, e o quanto sempre achei que nada poderia acontecer comigo.

Não acho que devemos de forma alguma deixar de realizar nossos sonhos e vontades. Não me arrependo de ter acampado no deserto. Mas confesso que eu poderia talvez ter evitado, tomando um pouco mais de cuidado. Como não ter ido para o deserto em pleno verão, época de maior risco, ou ter no mínimo calçado um tênis.

Dicas de segurança para uma viagem no Marrocos, não viaje sem ler!

Compartilho essa experiência horrível com vocês, para que isso sirva de exemplo para outras pessoas que tem o mesmo espírito aventureiro como o meu, de que sim, coisas ruins podem acontecer e podem ser evitadas. Não seja negligente com você.

Perigos do deserto

Depois de ser picada por um escorpião no Deserto do Saara, é claro que fiquei curiosa e pesquisei sobre espécies de escorpião no norte da África e no deserto. Descobri que as duas espécies encontradas por lá, são os mais perigosos do mundo. Podendo matar uma pessoa em menos de duas horas!
escorpião no deserto do Saaraperigos do deserto do Saara

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